O mundo moderno é guiado por vontades e decisões tomadas de modo acelerado, em grande parte impulsionadas pelas descobertas tecnológicas. Os jovens de hoje mal conseguem esperar o tempo de conclusão de uma faculdade para exercer a profissão de Engenharia. Então imagine se eles seriam capazes de aguardar durante semanas, meses, anos ou décadas pelo resultado de um experimento científico. Bem provável que não conseguiriam, concorda?

Essa história parece realmente impossível. Mas no ado, talvez as pessoas fossem mais determinadas nos seus ideais. Tanto é que dois cientistas do laboratório da Universidade de Queensland, na Austrália, John Mainstone e Thomas Parnell, aram a vida inteira acompanhando um experimento em um funil de vidro com uma substância preta e aparentemente imóvel que desafia a pressa do mundo moderno. O lendário ‘Experimento da Gota de Piche’ já dura quase 100 anos e continua em andamento.

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Quer entender o que está sendo testado durante todo esse tempo? Qual a importância para a ciência dos materiais deste experimento? E como ele se tornou um símbolo de paciência, persistência e curiosidade? Então leia o artigo a seguir, do Engenharia 360!

O que é o Experimento da Gota de Piche?

O Experimento da Gota de Piche (Pitch Drop Experiment) é considerado pelo Guinness World Records como o experimento mais longo já realizado pelos cientistas. Ele foi idealizado pelo físico Thomas Parnell no ano de 1927. Sua intenção era provar para seus alunos em conceito contra-intuitivo de que materiais aparentemente sólidos poderiam ser líquidos viscosos dependendo da escala temporal em que são observados. Basicamente uma demonstração de que “nem tudo é o que parece”, entende?

Thomas escolheu para o teste o piche ou betume, que é um material derivado do petróleo ou da madeira e usado tradicionalmente como impermeabilizante ou pavimento. À temperatura ambiente, o material parece realmente bastante sólido – aliás, ele pode ser até quebrado com o martelo; mas, na verdade, é um líquido com viscosidade absurdamente alta. Então, apesar da sua aparência, o material pode fluir lentamente ao longo dos anos, formando gotas que caem para baixo. Pelo menos é isso que se observa por décadas, aproximadamente, quando uma nova gota se desprende do seu funil de vidro.

Como funciona o experimento de Thomas Parnell?

Em 1927, Thomas aqueceu e colocou uma amostra de piche em um funil de vidro, permitindo que o material se assentasse completamente por três anos. Isso ajudou a eliminar suas bolhas de ar e garantir a compactação. Em 1930, ele cortou o selo no pescoço do funil, iniciando assim o famoso Experimento da Gota de Piche.

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Desde então, o piche escorre lentamente, formando gotas que levam anos, às vezes décadas, para se desprenderem do funil. Segundo o próprio cientista, cada gota representa uma vitória silenciosa da paciência científica sobre a pressa do tempo – algo que, como destacamos no início deste texto, muitas vezes falta na sociedade moderna.

Experimento da Gota de Piche
Imagem de University of Queensland em Wikipédia – httpspt.wikipedia.orgwiki
FicheiroUniversity_of_Queensland_Pitch_drop_experiment-white_bg.jpg

Vale destacar que o experimento não foi realizado sob condições controladas de temperatura até a década de 1980, o que significa que variações sazonais influenciaram a viscosidade do piche e a frequência das gotas.

Características da amostra

O pinscher utilizado no experimento é uma substância altamente viscosa, mas com fluidez praticamente imperceptível a olho nu. Segundo consta, sua viscosidade é estimada em cerca de 230 bilhões de vezes maior do que a da água – o que bem explica por que o fluxo do material é tão lento. Tal comportamento é explicado na engenharia e física como sendo de um “fluido não-neutôniano”.

Contagem das gotas lendárias

Após a morte de Thomas Parnell em 1948, o experimento foi assumido por John Mainstone, que dedicou décadas da sua carreira ao serviço. Ele também faleceu no ano de 2013, e assim o legado foi ado adiante.

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Experimento da Gota de Piche
O físico John Mainstone, que tinha a “custódia” do experimento, segurando o funil de piche em 1990.  – Imagem de domínio público reproduzida de Revista Forum

Desde o início do experimento, apenas 9 gotas caíram. Primeira gota em 1938, oito anos após o início do experimento. As gotas seguintes caíram no intervalo de 7 a 13 anos cada, sempre sob observação atenta, mas quase nunca registradas ao vivo. A oitava gota caiu no ano de 2000, pouco antes da instalação da webcam que hoje grava o experimento. Já a nona gota, em 2014, durante uma manutenção no recipiente coletor, quando o curador Andrew White tentava substituir o becker – mas, devido a um problema técnico, não foi registrada em vídeo. Os cientistas aguardam com expectativa pela décima gota.

Monitoramento moderno

Até onde se sabe, o experimento de Thomas Parnell está hoje protegido por uma redoma de vidro e monitorado por uma webcam 24 horas por dia. A próxima gota é aguardada para cair, segundo cálculos dos cientistas, por volta da década de 2030. Caso tudo dê certo, os testes devem ultraar o século de duração em breve, algo raro na história da ciência moderna.

Qual a importância desse experimento para a engenharia?

É claro que a importância do Experimento da Gota de Piche vai muito além da curiosidade. Em 2005, Thomas Parnell e John Mainstone foram agraciados com o prêmio Ig Nobel de Física, destacando o esforço incansável de quem dedica décadas a observar algo tão aparentemente simples, mas que desafia a compreensão dos materiais e os limites da percepção humana. E o Guinness World Records também consagrou o experimento como sendo o experimento científico contínuo mais longo do mundo. 

Esses episódios provam que, mesmo na era da tecnologia, podemos irar a imprevisibilidade da natureza. Certamente essa é uma ciência que exige, além de engenhosidade, uma boa dose de sorte e persistência!

O Experimento da Gota de Piche é uma poderosa lição sobre o comportamento dos materiais. Lembrando que na engenharia, compreender as propriedades físicas – como viscosidade, fluidez e resistência – é fundamental para projetar estruturas, desenvolver novos materiais e prever o desempenho de sistemas ao longo do tempo. Pode até não parecer, mas materiais como polímeros, borrachas e alguns tipos de concreto apresentam propriedades similares ao piche sob certas condições.

Bônus | Outras duas experiências científicas mais longas do mundo

Segunda Experiência da gota de piche – Trinity College (Irlanda)

  • Início: 1944
  • Objetivo: Medir a viscosidade do piche.
  • Curiosidade: Cada gota leva cerca de 10 anos para se formar.
  • Primeira queda registrada em vídeo: 2013.

Experimento das sementes – Michigan State University (EUA)

  • Início: 1879
  • Objetivo: Descobrir por quanto tempo sementes permanecem viáveis quando enterradas.
  • 20 garrafas com sementes enterradas; uma é desenterrada a cada 20 anos.
  • Previsão de término: 2100.

Veja Também: A Importância da Iniciação Científica em Engenharia


Fontes: Revista Forum, Tribuna de Minas, Gizmodo, Superinteressante.

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